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Solidão a Dois


Solidão a Dois


PUBLICADO POR CARLOS BITTENCOURT ALMEIDA EM PSICOLOGIA

Aparentemente, ter relações sexuais com alguém com quem temos um bom relacionamento afetivo desde meses ou anos, é o oposto de sentir-se só. Porém a intimidade dos corpos, por prazerosa que seja, não é o mesmo que intimidade afetiva. Dentro de uma relação homem mulher de longa duração a vida sexual pode ter significados muito diferentes dependendo do momento. Doloroso se torna quando a maior parte das relações sexuais ficam afetivamente empobrecidas. Nos sentimos sós.

Aquela pessoa veio deixando de ser importante para nós e nesta situação que é a mais íntima corporalmente que duas pessoas podem vivenciar, nos sentimos não íntimos afetivamente.  Terminada a relação sexual podemos sentir o desejo de nos afastarmos, de sair de perto da pessoa, ou mesmo começamos a nos lembrar de tudo que nos afasta dela: mágoas, frustrações, decepções.

Se este sentimento torna-se dominante nas situações eróticas, é sintoma de grave crise na relação a dois, e pode levar-nos a um rompimento afetivo concreto. Quando o prazer sexual torna-se vazio de ternura, bem querer, amor, desumanizamos a vivência erótica. Aquela pessoa que um dia pode ter sido tão significativa para nós vai se tornando uma estranha. A confiança está quebrada. A alegria de conviver vai desaparecendo.

É apenas quando a sexualidade está permeada por um vivo sentimento de amor, que podemos ‘fazer amor’. Só assim existe a possibilidade de um encontro, só assim a dolorosa solidão da condição humana é aplacada por algum tempo num ambiente tão doce e aconchegante. Por mais prazeroso que o sexo possa ser em si, quando não está permeado por forte sentimento de amor é impotente para romper a casca da solidão. Ficamos corporalmente gratificados e aliviados, mas a dor da solidão, consciente ou não, permanece dentro de nós.

É claro que nenhum de nós tem o poder de acordar em si, por um ato de vontade, um forte sentimento de amor por alguém. Podemos conviver com alguém numa relação amorosa por longos períodos, iluminados com maior ou menor freqüência pela luz, doçura e calor do amor. Se esta vivência se torna rara, ou ausente, continuamos dentro da prisão da solidão. Pode ser confortável e útil viver com alguém, conversar, dividir tarefas práticas. Mas sem a alegria de amar este é um pobre encontro.

Existem casamentos que duram décadas, onde o amor, ou não mais existe, ou nunca existiu. Não nos compete julgar as escolhas que duas pessoas fazem e que motivos têm para viverem juntas. Muitos preferem pouco do que nada. Ter a presença física de alguém no lar para muitos já alivia um pouco a dor da solidão, dá um sentimento de proteção. Mas para aqueles que, por períodos mais ou menos longos tiveram a alegria de vivenciar as delícias de um profundo encontro de amor recíproco, não é fácil conformar-se com a perda. A dor da ausência, da saudade, o anseio pela volta ao paraíso perdido mantém-se latejando, pulsando regularmente.

A vivência da alegria de rompermos a casca da solidão e nos sentirmos amplos, fundidos e integrados em algo maior, em comunhão, não é exclusiva das situações de amor erótico ou de uma relação afetiva intensa entre duas pessoas. Na natureza, na música, no esporte, lendo, escrevendo, orando, meditando – em quase todas as situações da vida é possível vencermos a prisão do isolamento, do egoísmo, e transcendermos a aridez e nossos próprios limites e pequenas e grandes preocupações. Mas é inegável que ansiamos todos por um encontro humano, pela comunhão feliz, intensa e amorosa com outro ser humano.

Como tudo que é grandioso e importante na vida, esta vivência depende de vários fatores. De nossa coragem, capacidade de entrega, desprendimento, generosidade, aspiração. E depende ainda de fatores que estão fora de nosso esforço e dedicação. Uns chamam de sorte, outros de destino. Para aquele que aspira e se prepara corretamente, a bênção, o milagre, de novo e de novo ressurgirá, quando a vida julgar que estamos férteis para sermos de novo fecundados pelo transcendente.

Termino com uma citação da autobiografia do filósofo inglês Bertrand Russel (Premio Nobel de Literatura 1950):

‘Busquei primeiro o amor, porque ele produz êxtase – um êxtase tão grande que, não raro, eu sacrificava todo o resto da minha vida por umas poucas horas desta alegria. Ambicionava-o ainda, porque o amor nos liberta da solidão – essa solidão terrível através da qual a nossa trêmula percepção observa, além dos limites do mundo, esse abismo frio e exânime. Busquei-o finalmente, porque vi na união do amor, numa miniatura mística, algo que prefigurava a visão que os santos e poetas imaginavam. Eis o que busquei e, embora isso possa parecer demasiado bom para a vida humana, foi isso que – afinal – encontrei.’




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